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Profissionais de saúde usam 'gambiarra de oxigênio' para socorrer pacientes com Covid-19

Secretaria de Saúde reconhece que 'demanda é muito alta', sendo necessários cilindros portáteis para atender doentes

Por G1 DF e TV Globo 15/03/2021 09h09 - Atualizado em 15/03/2021 10h10
Profissionais de saúde usam 'gambiarra de oxigênio' para socorrer pacientes com Covid-19
Paciente respira por meio de ligação de oxigênio improvisada no Hospital Regional de Planaltina, no DF - Foto: Arquivo pessoal

Pacientes graves internados com Covid-19 estão respirando por meio de "gambiarras de oxigênio" nos equipamentos da rede pública do Distrito Federal, segundo relatos de profissionais de saúde. Imagens registradas por servidores mostram a tentativa dos trabalhadores da linha de frente de salvar os doentes por meio do improviso.

Em nota, a Secretaria de Saúde (SES-DF) reconhece que "a demanda de pacientes é muito alta para os pontos fixos de oxigênio", por isso, "é necessária a utilização de cilindros de oxigênio portáteis para suportar o volume de atendimento nesse momento" (entenda abaixo).

No entanto, quem trabalha dentro dos hospitais afirma que a quantidade de cilindros móveis também não é suficiente. O G1 questionou a SES-DF sobre o quantitativo em estoque, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.

Um enfermeiro do Hospital Regional de Planaltina, que prefere não se identificar, fez um desabafo sobre o plantão no último sábado (14). "Chegou um momento em que estávamos em duas paradas cardíacas ao mesmo tempo, o único cilindro de oxigênio do Samu [Serviço Móvel de Urgência] acabou, e o paciente precisando ser ventilado sem oxigênio".

Na manhã desta segunda-feira (15), a taxa de ocupação em leitos adultos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) chegou a 100%. Enquanto isso, 220 pessoas aguardavam por leitos em hospitais.

Segundo o enfermeiro, foi necessário dividir o mesmo ponto de oxigênio entre as duas pessoas. "Retirei o oxigênio de uma paciente e coloquei no [outro] paciente. Quando olhei pra trás, a outra senhora no qual eu tinha removido o oxigênio começou a ficar cianótica [sem ar]. Voltei o oxigênio pra senhorinha", relata.

"Durante os momentos de desespero das reanimações vi equipe médica e de enfermagem com lágrimas nos olhos e muito medo", afirmou o profissional.

Para viabilizar o oxigênio dos pacientes, a equipe precisou puxar ligações de setores diferentes. Uma imagem registrada mostra um ponto que chega até uma ala pela janela (na foto acima).

Improviso também no Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Outro funcionário, que prefere não se identificar, denunciou a situação. "Pacientes estão usando O2 tudo em gambiarra. Não temos nenhum tipo de suporte pra trabalhar", diz ele.

Na fila

Enquanto uns dividem pontos de oxigênio, outros pacientes esperam por leito em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com dificuldades para respirar. Na noite deste domingo (14), havia 293 pessoas na fila da UTI, 239 delas com diagnóstico da Covid-19.

Enquanto isso, das 300 vagas para leito adulto, apenas duas estavam disponíveis às 21h. As vagas duram pouco tempo. Na manhã desta segunda-feira (15), a ocupação chegou a 100%.

Um dos pacientes na fila é Fábio Gomes Batista, de 38 anos, que trabalha como brigadista. Ele está internado no Hospital Regional de Ceilândia (HRC).

Segundo os médicos, os pulmões do Fábio estão afetados em mais de 50%. A família está angustiada. "Medo constante de perder meu marido", diz Janayna Gomes, esposa de Fábio.

"Só estando lá pra ver o sofrimento que é para as pessoas viver. Estar com esse vírus e não ter suporte nenhum", disse.

Estoque de oxigênio

Segundo a Secretaria de Saúde, o oxigênio é fornecido para os hospitais e canalizado até o leito de UTI ou de enfermaria. Duas empresas prestam o serviço: White Martins Gases Industriais Ltda (Oxigênio Líquido- Tanque Criogênico) e Air Liquide Brasil Ltda ( Oxigênio Cilindros).

A pasta afirma que o volume médio mensal de oxigênio contratado é de 300.000 metros cúbicos (m³) para o líquido e de 340 m³ para o gasoso. "O consumo de oxigênio nas unidades hospitalares é monitorado permanentemente pela empresa contratada, por meio de sistema próprio", disse.

De acordo com a secretaria, "houve aumento no consumo do produto porque houve ampliação do número de leitos", mas não detalhou o quanto aumentou.

Apesar de dizer que "a quantidade de oxigênio contratado é suficiente", a secretaria de saúde afirma que "para evitar qualquer desabastecimento da rede de saúde e dar maior segurança ao atendimento, foi solicitado um aditivo contratual no percentual máximo permitido por lei".

Ainda de acordo com a pasta, "as enfermarias possuem uma limitação física de espaço, que comporta um número limitado de leitos e, consequentemente, um número limitado de pontos fixos de oxigênio", sendo "necessária a utilização de cilindros de oxigênio portáteis para suportar o volume de atendimento nesse momento".

No entanto, a pasta não informou a quantidade de cilindros e previsão de aquisição.

Ligação de oxigênio chega até ala no Hospital Regional de Planaltina, no DF, improvisada pela janela — Foto: Arquivo pessoal

Ponto de oxigênio improvisado no Hospital Regional de Taguatinga, no DF — Foto: Arquivo pessoal