Fraude no INSS: valores descontados indevidamente deveriam ser devolvidos em dobro, diz especialista

Cerca de nove milhões de brasileiros tiveram valores retirados de suas aposentadorias e pensões sem autorização

Por Wanessa Santos | 7Segundos

Depois de uma vida inteira de trabalho, contribuindo com a Previdência Social que é administrada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), você descobre que durante anos vem tendo valores descontados do seu dinheiro, indevidamente, e com o aval de servidores do próprio INSS. A sensação de total insegurança e de incredulidade com relação a devolução de todo o dinheiro retirado dos bolsos de cerca de nove milhões de aposentados e pensionistas é geral.

Na última semana o Governo Federal divulgou o início do envio dos alertas, através do aplicativo “Meu INSS”, que informaram aos beneficiários quem teve os valores subtraídos de seus pagamentos e quem não teve. Somente no primeiro dia em que a população afetada pôde notificar o órgão de que podem ter sido vítimas do esquema de fraudes, cerca de 473.940 informaram não reconhecer o vínculo com a associação vinculada ao seu benefício.

Segundo informações oficiais divulgadas pelo Governo Federal, o INSS deverá começar a restituir cerca de R$ 292,7 milhões a aposentados e pensionistas lesados por descontos não autorizados de mensalidades associativas, a partir do próximo dia 26. Muitas dúvidas pairam com relação a como, quando, de fato, e quais os valores que serão efetivamente devolvidos a cada brasileiro.

Em Alagoas, diversos beneficiários que foram lesados por essa fraude desconfiam que realmente serão ressarcidos e têm procurado orientação e auxílio de advogados especialistas em direito previdenciário. O advogado Erick Cordeiro (OAB/AL 13.414) é um desses especialistas e conta para o 7Segundos quais as suas analises e perspectivas quanto à possibilidade dessas pessoas receberem de volta o que lhes foi descontado indevidamente.

O especialista revela que em casos como o esse, em que houve pagamentos indevidos – como os descontos associativos em pensões e aposentadorias, a devolução dos valores deve ser feita em dobro, o que talvez não aconteça para aqueles que simplesmente esperarem pelo governo. Mas, como assim em dobro? Ele explica: “Veja, recebi um cliente que descontava dele R$63,00 por mês. Se for aplicado a dobra, ou seja, nós chamamos de repetição de indébito, o valor de R$63,00 ficará R$126,00, devendo ainda aplicar juros e correção monetária (atualização monetária) mês a mês . Com isso, os valores se tornam consideráveis e justo", conta o advogado.

Erick Cordeiro, advogado especialista em Direito Previdenciário

Diante disso, e principalmente da falta de fé que grande parte da população tem de que terão seu dinheiro de volta de maneira pacífica, diversas ações judiciais têm sido protocoladas, a fim de garantir que os valores descontados sem autorização voltem para seus verdadeiros donos, com juros e correção. Fora isso, em ações na justiça para esse tipo de situação, ainda há a cobrança de indenização por danos morais.

Para Erick Cordeiro é difícil acreditar que vai bastar somente o beneficiário responder a um alerta de aplicativo para ter de volta tudo aquilo que lhe foi roubado: “Eu sou incrédulo quanto à isso, porque, veja bem, pode ter uma política pública pra que o Governo Federal devolva esse dinheiro. Mas acredito que será devolvido na forma simples, na forma pura do valor. Pode até ser corrigido monetariamente, mas será que vai ser devolvido em dobro? Isso é muito relativo e depende de cada caso concreto. Para ser devolvido em dobro e corrigido monetariamente, como e deve ser, acredito que não”, avalia o advogado.

Quando a gente coloca a quantia da fraude na ponta do lápis, fica mais difícil ainda de crer da devolução passiva de todos os valores: de acordo com estimativas mais recentes, R$ 5,9 bilhões foram desviados entre os anos de 2019 e 2024.

Como o Governo Federal diz que ocorrerá a devolução?

  • O Governo Federal estabeleceu que, todos os aposentados e pensionistas que foram vítimas da fraude, devem responder a esse alerta enviado a partir do dia 13 de maio para todos os beneficiários do INSS, para que possam receber os valores descontados indevidamente de volta. No dia seguinte ao envio do alerta, 14 de maio, as pessoas já poderiam responder se autorizou aqueles descontos ou não. 

    Caso o beneficiário não reconheça aqueles descontos como sendo legais, as entidades 

  • associativas responsáveis pelas cobranças indevidas terão 15 dias para comprovar ou não o vínculo com o beneficiário. Caso não consiga, a associação terá mais 15 dias para devolver os valores.

    A quantia não será depositada diretamente na conta dos aposentados ou pensionistas, como forma de proteger os dados bancários e prevenir novas fraudes. O valor será restituído ao INSS, responsável por repassar o montante aos beneficiários.

A alagoana Iranilda Alves da Silva, de 65 anos, é uma dessas milhares de vítimas e conta como soube que havia tido valores descontados de sua aposentadoria. De acordo com ela, já havia a desconfiança de que pudesse, de fato, ser uma das vítimas, o que acabou a deixando em alerta com relação à notificação no aplicativo Meu INSS. E ela não estava enganada. No dia último dia 13, Iranilda recebeu a mensagem que confirmava a fraude em seu pagamento: “Aviso importante para você: Foi identificado desconto de entidade associativa no seu benefício. A partir de amanhã você poderá informar se autorizou ou não através do Meu INSS ou ligue para 135”.

Imagem 1: Recebimento do alerta no app Meu INSS; Imagem 2: Resposta do beneficiário informando que não autorizou os descontos; Imagem 3: Finalização do processo.

Perguntada como se sentiu quando descobriu que haviam retirado valores da sua aposentadoria, de apenas um salário mínimo, Iranilda lamentou o fato: “É complicado porque a gente recebe pouco e ainda tem descontos sem autorizar.” disse. Ela revelou, ainda que apesar da Operação da Polícia Federal que descobriu e investigou fraude, ela tem medo de que novos roubos ocorram no futuro, visto que o assédio de golpistas a beneficiários do INSS é constante e o vazamento de dados sigilosos dessas pessoas parece ser algo que ninguém consegue frear.

Em 2022, o INSS sofreu um incidente de segurança que levou ao vazamento de dados pessoais de beneficiários, incluindo CPF, dados bancários e data de nascimento. Um prato cheio para golpistas de todos os tipos.

Apesar de ter respondido ao alerta, e estar aguardando as “cenas dos próximos capítulos”, a aposentada revelou que não acredita que irá receber o dinheiro descontado de volta: “Não acredito. Espero que sim, mas só acredito vendo o dinheiro na minha conta”, conta Iranilda.