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Por esportes e artes no ensino médio, educadores prometem ida ao Congresso

Decisão do governo de retirar a obrigatoriedade das disciplinas revoltou especialistas da área

Por UOL - Folha de São Paulo 23/09/2016 06h06
Por esportes e artes no ensino médio, educadores prometem ida ao Congresso
Educação física pode ajudar na formação cognitiva do aluno - Foto: Folhapress

decisão do governo federal de retirar a obrigatoriedade das disciplinas de educação física e artes do ensino médio revoltou especialistas e entidades de classe, que prometem fazer pressão contra as mudanças.

É o caso do Confef (Conselho Federal de Educação Física), que promete ir ao Congresso e aos ministérios da Educação, Esporte e Saúde para derrubar a proposta.

"Acabamos de sair de uma década de eventos esportivos, onde ficou comprovada a importância da prática de esportes, e propõem uma medida provisória na contramão disso?", questiona o presidente da entidade, Jorge Steinhilber.

"Não é uma questão de corporativismo. Todas as pesquisas confirmam que o exercício físico contribui até para a melhora do conhecimento cognitivo", afirma ele, que questiona quando os alunos vão praticar atividade física se o ensino será integral.

Presidente do Conselho Regional de Educação Física de SP, Nelson Lima Junior cita o artigo 36 da MP pelo qual "os currículos devem considerar a formação integral do aluno". "É um contrassenso."

"Quando a gente pensa na educação física, de imediato pensamos na saúde. Mas tem a formação cultural que o esporte traz: as interações sociais, o respeito à diversidade, o aprendizado de como negociar conflitos", diz o professor da UnB Alexandre Luiz Rezende, doutor em educação física e mestre em educação.

EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

A medida provisória só cita a obrigatoriedade de educação física e artes no ensino infantil e no fundamental. O governo Temer alega que as disciplinas devem fazer parte da base nacional curricular, ainda em discussão e cujos conteúdos serão obrigatórios.

"O ensino de arte permite um olhar expandido para as coisas. Com a mudança, tira a possibilidade de sensação, os alunos vão se tornar anestesiados", diz a professora da Unesp Kathya Godoy, doutora em educação artística e graduada em educação física.

"Como o jovem, inserido em um contexto que lida com a imagem o tempo inteiro nas redes, vai ter um olhar diferente e não ser um mero consumidor da cultura?", diz Mirian Celeste, professora de Educação, Arte e História da Cultura no Mackenzie.

Ela afirma que a arte tem um caráter interdisciplinar e deveria estar no centro do ensino médio. "Talvez os políticos e gestores não entendam qual é o campo da arte, achem que é o campo da técnica, do desenhar bem. Estamos falando de dimensão maior, do pensamento estético e do entendimento de mundo."

DESAFIO DE PLANO DE ENSINO MÉDIO É TER PROFESSOR QUALIFICADO, DIZ ESPECIALISTA

Para Ricardo Henriques, 55, superintendente do Instituto Unibanco, a flexibilização que o novo modelo de ensino médio, apresentado nesta quinta (22), vai abrir é um ponto de partida para que haja clareza para enfrentar outros problemas da educação brasileira.

Em entrevista à Folha, Henriques ressalta a importância de que os Estados tenham autonomia para implementação. Mas, para ele, o processo não será "trivial" e o sucesso dependerá de atenção na formação de professores.

Folhapress

 

Folha - Qual sua avaliação do que foi apresentado?
Ricardo Henriques - O desenho da proposta parece ir na direção correta, embora não devamos encarar como uma panaceia ou salvação.

Mas o enunciado para o problema está correto, com uma área comum e áreas vocacionais, o que vai ao encontro do desenho contemporâneo de ensino médio que praticamente o mundo todo compartilha. Outro problema que enfrenta com clareza é a cultura da reprovação.

Um elemento importante é que não há um modelo pré-moldado para todas as redes. Isso aumenta a probabilidade de cada rede dar um tratamento adequando a partir das suas diferenças.

Qual a chance de o novo modelo de ensino médio chegar às redes de forma igualitária, com opções de flexibilização amplas para todos?
O maior desafio será como implementar de forma real e objetiva em cada rede. Há problemas concretos de espacialização: como faz para distribuir flexibilização de trilhas em regiões de baixa densidade demográfica, ou em áreas muito adensadas?

Pode haver alinhamento entre escolas e especializações diferentes em unidades no mesmo território. A regulamentação passa a ser a chave. Mas não é nada trivial.

Não há previsão de dinheiro extra da União para essa flexibilização. Essa mudança vai exigir mais investimento?
O gargalo não parece ser o financiamento, mas o Brasil vai ter que aprender a fazer esse processo e ninguém sabe o orçamento para isso. Para a parte de trilhas acadêmicas, será mais uma questão de redistribuição inteligente dos recursos existentes. E, ao adotar isso em escolas grandes, há vantagens.

Pode distribuir mais o tempo do professor e melhorar a utilização dos recursos. Obviamente na flexibilidade não acadêmica [de ensino técnico] vai ter custos. Pode ser que o Estado tenha rede de escola técnicas para ampliar, pode fazer parcerias com outros sistemas.

Quais os desafios de oferecer esse novo modelo de aprofundamento em habilitações?
Essa orientação terá capacidade de organizar a intensidade do ensino médio. No modelo de hoje, temos uma estrutura onde todo mundo aprende um pouco de tudo, e não aprende nada. O bom do redesenho é que garante um núcleo comum, com conteúdos bem dados daquilo que todos devem saber. Mas ter aprofundamento da área de linguagens ou ciência da natureza, por exemplo, vai implicar em uma conversa sobre a formação das licenciaturas. Já é um desafio ter professores especializados e, com essa estrutura, teremos que revisitar a formação inicial docente. Além das formações continuadas para quem está em serviço.

Se os alunos têm dificuldades em matemática, quem vai escolher se aprofundar na disciplina? Essa abertura não pode intensificar o problema? Qual o papel da Base Nacional Comum nesse processo?
Sem a base, a arquitetura não funciona. Tem que estar tudo muito claro [as competências esperadas]. Mas agora aumenta o foco no ofício do professor. Associar conteúdo com boas práticas de ensino passa a ser mais fundamental, porque sai da ideia do conhecimento genérico. Isso tem que ser construído ao longo do tempo e vai bater nos professores. O trabalho pedagógico na sala, os coordenadores, vão ter que se posicionar acerca do valor dos conteúdos. A matemática tem que sair da figura de hoje, de letrinhas, números e equações, e caminhar para o entendimento do que ela é e significa.

Mas isso já não deveria ocorrer hoje?
Não acontece porque hoje se aprende um pouquinho de um montão de coisa. O novo modelo vai ajudar isso. É muito mais importante dominar alguns conhecimentos básicos muito bem e depois se aprofundar, ao invés de ter uma camadinha superficial sobre tudo. Mas o desafio recai também sobre a implementação. Como mobilizar esse mundo possível para motivar os próprios professores?

Há críticas de que a flexibilização não vai resolver o ensino médio com a manutenção de problemas estruturais, como infraestrutura das escolas, lotação de salas. Como ela se relaciona com esse contexto?
É obvio que o desafio é a harmonia em todas as organizações. A ideia de querer resolver tudo antes faz sentido, mas resolver o problema de identidade da etapa é pré-condição para outras mudanças. Certamente, na medida em que isso começa a ser implementado, abre para que novos desafios sejam enfrentados de forma clara.

As escolas particulares também deverão seguir a nova norma. O que esperar?
Acredito que não haverá tendência de aumentar o abismo, ao contrário. A tendência é reduzir as desigualdades aumentando a capacidade de permanência de conjunto maior de jovens.