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Líderes de rebelião em Manaus vão para presídios federais, diz ministro

Ministro da Justiça anunciou que 30% dos presídios do Estado vão ser equipados com bloqueadores de celulares

Por UOL com UOL 03/01/2017 05h05
Líderes de rebelião em Manaus vão para presídios federais, diz ministro
Corpos de presos mortos durante rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim - Foto: Reprodução

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse em entrevista coletiva na noite de segunda-feira (2), em Manaus, que os líderes das facções que comandaram os ataques que deixaram 56 mortos no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) serão transferidos para presídios federais assim que forem identificados. 

"Tem uma força-tarefa trabalhando para que, num rápido espaço de tempo e dentro da lei, possamos apresentar ao Ministério da Justiça o nome dos presos que têm que sair daqui e serem transferidos para presídios de segurança máxima. E que possamos fazer o trabalho que precisamos fazer dentro das penitenciárias", disse.

O ministro informou ainda que o governo federal liberou na semana passada, e o governo do Amazonas já tem em caixa, R$ 45 milhões para a criação de 5.830 novas vagas no sistema penitenciário do Estado e para aquisição de equipamentos de infraestrutura, armamento e scaners de revista pessoal.

A entrevista foi concedida no CICC (Centro Integrado de Comando e Controle) e contou também com a participação do governador do Amazonas, José Melo.

No domingo (1º), uma rebelião que, segundo o Governo do Amazonas, é resultado de uma guerra entre as facções Família do Norte e PCC (Primeiro Comando da Capital) por disputa por espaço no tráfico de entorpecentes no Estado, terminou com a morte de 60 presos e fuga de outros 184, dos quais, 136 ainda estariam foragidos. O massacre é o maior em um presídio brasileiro desde o ocorrido no Carandiru.

O ministro e o governador disseram que, por ora, não será necessário o envio de tropas da Força Nacional para Manaus.

Bloqueadores de celular

O ministro também anunciou que, neste ano, 30% dos presídios em todos os Estados vão ser equipados com bloqueadores de celulares para evitar que lideranças mantenham contato com membros de facções do lado de fora das penitenciárias. O investimento custará em torno de R$ 146 milhões por ano ao governo federal. Segundo Moraes, a meta é que os presos, nos Estados, sejam divididos por tipo de crimes entre as penitenciárias.

"A questão penitenciária é absoluta prioridade do governo Michel Temer. Isso (novas vagas) deve solucionar esta superlotação que há, infelizmente, em todos os Estados. Aí passaremos para um segundo ponto: a separação em presídios em virtude da gravidade do crime e reincidência. A Constituição determina isso desde 1988, mas não foi realizado em virtude da falta de recurso", disse.

O ministro disse que os bloqueadores de celulares também serão prioridade em 2017. "Um dos primeiros serviços é ter em 30% das penitenciárias bloqueadores de celular. Não é aquisição, é contratação de serviço. Serão R$ 146 milhões por ano. Tudo para ter uma segurança maior também dentro dos presídios."

José Melo disse que determinou que um efetivo maior da Polícia Militar do Amazonas monitore os presídios da cidade. Segundo o governador, a partir deste episódio, revistas frequentes e rigorosas serão feitas nas unidades para evitar o armamento por parte dos presos. Nesta rebelião, até espingardas e pistolas foram apreendidas com os presos do Compaj.

O secretário Segurança Pública do Estado, Sérgio Fontes, informou que, dos 184 foragidos, 48 foram recapturados até as 22h desta segunda-feira. O Governo do Amazonas reativou uma unidade prisional fechada em outubro do ano passado, a Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa (CPDRVP), localizada na Avenida Sete de Setembro, no Centro da cidade, para abrigar 130 presos retirados das outras unidade como medida de segurança. A unidade havia sido desativada após constatação de que a mesma não tinha condições de continuar abrigando detentos pela falta de estrutura.

Segundo o secretário Sérgio Fontes, mesmo com o registro de quatro mortes em outra unidade prisional nesta segunda-feira, a situação nos presídios está sob controle. Ele disse que sequer houve rebelião na UPP --apenas os assassinatos. "Queriam matar essas quatro pessoas. Não houve rebelião", informou.

Superlotação

Segundo dados atualizados em 30 de dezembro na página na internet da SEAP (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Amazonas), o regime fechado do Compaj, com capacidade para 454 presos, abrigava 1.224 detentos --um excedente de 770 presos. O regime semiaberto do mesmo presídio onde ocorreu a rebelião, com capacidade para 138 presos, contava com 602 antes dos assassinatos. Neste setor, o excedente era de 464 presos.

Já o Ipat, onde foram registradas as fugas antes dos assassinatos no Compaj, tem capacidade para 496 detentos. Porém, antes da fuga, abrigava mais que o dobro: 1202 presos --excedente de 706 detentos.

"Não entramos no presídio para evitar um Carandiru 2", diz secretário do AM

O secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, disse nesta segunda-feira (2) que uma entrada da PM Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, durante a rebelião que terminou com a morte de 56pessoas, no último final de semana, poderia ter causado um "Carandiru 2". "Não entramos no presídio para evitar um Carandiru 2", disse Sérgio Fontes em entrevista concedida ao UOL.

Segundo Fontes, o massacre (o maior em um presídio brasileiro desde o ocorrido no Carandiru) foi organizado por integrantes da facção FDN (Família do Norte), ligada ao CV (Comando Vermelho). Os alvos seriam presos pertencentes a uma outra facção, o PCC (Primeiro Comando da Capital), rival do CV.

Fontes, que é policial federal de carreira e há dois anos comanda a SSP (Secretaria de Segurança Pública do Amazonas), diz que apesar da morte de 56 presos e da fuga de outros 87 nos últimos dois dias, a situação está "sob controle", mas afirmou temer a reação do PCC. "As retaliações vão vir. Elas vão vir", disse Fontes.

UOL - O que causou esse massacre?

Sérgio Fontes - Esse massacre foi causado por uma disputa de espaço pelo narcotráfico. Na verdade, é isso. É uma grande disputa a nível nacional que vai do Rio de Janeiro, porque a FDN (Família do Norte) é ligada ao CV (Comando Vermelho) e se estende até Roraima, Rondônia, Acre, Maranhão. O Brasil inteiro está com esse problema.

De que forma esse conflito chegou às prisões do Amazonas?

A FDN tem cerca de 10 anos. A FDN, assim como outras denominações em outros Estados, surgiu da necessidade de ampliar o crime organizado. O CV e o PCC (Primeiro Comando da Capital), na sua disputa por espaço de narcotráfico, espaço financeiro decorrente das rotas, das bocas de fumo para a venda, fizeram suas ramificações nos Estados. A FDN é uma ramificação do CV e essa briga se resume a dinheiro. É uma disputa financeira, só que criminosos disputam dinheiro à bala. O Amazonas é apenas mais um dos Estados que está vivenciando essa questão. Eu lhe digo e isso tem que ser encarado de forma sistêmica. Tem que ser encarado de forma nacional.

Qual das duas facções tem mais poder nos presídios do Amazonas?

A FDN. Eu diria que tem mais gente, por conseguinte tem mais poder. Pra se ter uma noção de proporção, são quase cinco integrantes da FDN pra cada um do PCC.


O senhor afirma que essa situação é sistêmica e nacional, mas houve cortes no orçamento da Segurança Pública do Amazonas em 2016. Em que medida esses cortes contribuíram para o massacre?

Afeta, sim, não tenha dúvida nenhuma. Agora, um governo só pode aplicar aquilo que arrecada. Se você está arrecadando pouco em função da crise, não tem como aplicar mais. Agora, os cortes não são o determinante dessa crise. O determinante dessa crise (a escalada da violência por parte das facções) é que ela não está sendo encarada com a gravidade que ela possui. Os Estados sozinhos, quaisquer que sejam os seus orçamentos, não são capazes de fazer frente a essa crise. Qual é o Estado mais rico do Brasil? São Paulo. E São Paulo é o berço do PCC. O PCC está em todas as unidades prisionais de São Paulo. Então não é uma questão de dinheiro.

Qual o peso do PCC no Amazonas?

É muito pequeno. O problema é que o peso dele em nível nacional é muito grande. Aqui, o PCC está sofrendo perdas, mas em outros Estados eles foram algozes. E nada nos garante que não vai ter retaliação. O pessoal do PCC aqui no Amazonas está em estado de loucura com medo de morrer. E a guerra pode vir para fora. Para as ruas e não só no Amazonas, mas no Brasil todo.

O que o senhor quer dizer com isso?

O PCC vai retaliar. As retaliações vão vir. Elas vão vir. É como no sistema prisional.

Nos últimos dias, 87 presos fugiram de uma unidade prisional e outros 55 foram mortos. A situação saiu do controle?

Não. Quando tomamos conhecimento da rebelião, foi feita uma opção. A situação não saiu do controle. Uma facção brigou com a outra dentro do presídio. Qual era a opção do Estado? Fazer um Carandiru 2? Entrar lá e matar todo mundo? Não. O problema é que temos unidades prisionais superlotadas como no Brasil todo. Tivemos 55 mortes no Compaj e 87 fugitivos no Ipat. Desses 87, 40 já foram recuperados. Quase a metade. E até o final da semana, esperamos recuperar todos. A situação está sob nosso controle. Nenhum refém foi morto. Todos foram resgatados. Os que eles queriam matar, mataram logo no começo. O que vamos fazer agora? Vamos responsabilizar quem fez isso e tomar medidas para evitar que outra tragédia como essa se repita.

Essa opção à qual o senhor se referiu foi a decisão de a PM não entrar no presídio logo no início da rebelião?

Isso. Exatamente. Não entramos no presídio para evitar um Carandiru 2, para evitar uma reação de força.

Essa opção não acabou permitindo que mais presos fossem mortos?

Não, porque eles não foram mortos ao longo do tempo. Eles foram mortos nos primeiros 15 minutos da rebelião. O objetivo de fazer essa rebelião era matar o pessoal do PCC. Quando a primeira viatura chegou, eles já estavam mortos. A não entrada foi uma opção tática e acho que foi a melhor que a PM poderia ter escolhido. A entrada ali poderia ter sido uma tragédia ainda maior.

Considerando que esse massacre possa ter sido resultado de um confronto entre facções que atuam em todo o Brasil, qual a responsabilidade do governo federal nesse episódio?

Olha...eu diria que estabelecer responsabilidades é uma coisa muito feia a não ser que as responsabilidades sejam objetivas. Eu disse hoje que todos têm culpa e ninguém tem culpa. O Estado está trabalhando, o governo federal está trabalhando. No que temos culpa é que temos que nos engajar de uma maneira mais eficiente. De maneira mais coordenada. Distribuir com mais racionalidade as atribuições nesse grande enfrentamento que é o tráfico internacional.

O que foi negociado com a FDN para que a rebelião acabasse?

Absolutamente nada. Não negociamos com bandido. O que eles pediram era o que já iríamos fazer, que era não agredi-los. São medidas que já seriam tomadas em respeito aos direitos humanos. As responsabilidades serão apuradas. E as lideranças irão responder por crime de homicídio. Não teve nenhuma negociação. Dessa rebelião sobrará apenas a dor dos familiares que perderam seus entes queridos.

Há indicações de que a ordem tenha saído de lideranças do CV?

Ainda estamos levantando isso. O fato é que não conseguimos antecipar essa rebelião. Nós não sabíamos que isso iria ocorrer.

A melhor forma de lidar com facções rivais é separá-las em pavilhões diferentes ou em presídios diferentes?

Essa estratégia tem um problema. Isso dá hegemonia a uma facção para atuar num presídio. Você deixa ela livre para atuar dentro do presídio. Isso é exatamente o que o crime organizado quer. Ele quer ficar num lugar seguro onde ele possa continuar tocando seus negócios. Não é bom fazer o que eles querem. Agora, num momento como esse, porém, possivelmente, vamos ter que fazer isso até que encontremos uma outra forma de resolver o problema.

Qual sua avaliação sobre a capacidade dos Estados de combater a ação dessas facções nacionais?
Isolados? É muito pequena. Nossa capacidade crescerá a partir do momento em que atuarmos de forma conjunta. Se a questão fosse dinheiro e recursos, São Paulo tinha resolvido esse problema. E ao contrário: hoje, o PCC irradia suas ações para outros Estados.

O senhor teme o impacto das ações do PCC?

Sim. Claro. Como gestor de segurança pública eu tenho obrigação de temer e me antecipar. Temos um comitê gestor para atuarmos de forma integrada.

Esse massacre era realmente imprevisível?

Não tenho dúvida. Não era previsível. Tínhamos estimativas de que alguma coisa poderia ocorrer, mas em pequena escala. Mas não nessa escala. Várias tentativas de rebelião foram interrompidas antes dessa. Essa, infelizmente, não foi.

Para especialistas, caos nas prisões é regra em todo o país

Superlotação, condições precárias de instalações e domínio do local por facções criminosas, o que gerava "um contexto de fortes disputas e tensionamentos". Relatório de janeiro de 2016 do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, que visitou o Complexo Penitenciário Anísio Jobim, já apontava o caos onde nessa segunda (2) 56 presos foram assassinados.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, essa matança em Manaus (AM) é uma tragédia anunciada. E essa conjuntura não é exclusividade do Estado. Pelo contrário, é quase regra nacional.

"Nos últimos cinco anos, a população carcerária cresceu de maneira absurda [são mais de 600 mil pessoas] a partir de prisões provisórias, via de regra por crime de tráfico", aponta o sociólogo Arthur Trindade, ex-secretário da Segurança Pública do DF.

A prisão provisória é aquela em que o sujeito vai preso antes de ser julgado, em geral a partir de um flagrante policial, isto é, quando é preso no ato do delito.

Por isso, a maior parte dos presos em flagrante são aqueles que estão traficando ou que foram pegos após furto ou roubo. No Amazonas, 58% dos presos no sistema são provisórios, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, o Depen, ligado ao Ministério da Justiça.

"Não dá pra discutir o problema prisional sem discutir o problema da segurança pública. Enquanto houver uma política de aumentar as detenções, não vamos resolver ou administrar a questão penitenciária nem diminuir a criminalidade", afirma.

Isso porque, segundo o sociólogo, estamos lotando nossos presídios com pequenos traficantes ou batedores de celular, o que "traz resultados pífios na redução da criminalidade e da violência" e torna o sistema "inadministrável".

Ele exemplifica o nó desta política com o caso do Distrito Federal: "Todos os dias, 30 pessoas são presas aqui em flagrante. Em um mês, são 600 presos. Ou seja, seria necessário construir uma nova unidade prisional por mês para dar conta desse fluxo".

Para ele, a ênfase deveria ser na aplicação de penas alternativas nos casos em que ela é prevista.

Trindade aponta ainda para a retirada de recursos do Funpen (Fundo Penitenciário Nacional), por meio de medida provisória editada nos últimos dias de dezembro, como agravante do quadro geral do sistema prisional.

A MP destina até 30% do superávit dos recursos do Funpen para o Fundo Nacional da Segurança Pública, além de diminuir o repasse de recursos para o Funpen de 3% da arrecadação da loteria para 2,1%. A mesma medida repassou R$ 1,2 bilhão em recursos do fundo aos Estados.

FACÇÕES

Além da superlotação, o fluxo de presos provisórios no sistema penitenciário coloca réus primários e criminosos não-violentos em ambientes comandados por facções criminosas. "Essas organizações vendem proteção, portanto quem ingressa no presídio precisa se solidarizar com alguma facção para sobreviver", explica ele.

Camila Nunes Dias, professora da UFABC e autora do livro "PCC: Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência" (Saraiva, 2013), diz que o PCC tem se expandido pelo país, dentro e fora dos presídios.

A organização criminosa criada em São Paulo é hegemônica também nos Estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, onde controla rotas de tráfico de drogas do Paraguai e da Bolívia que abastecem o Sudeste brasileiro.

"Já a Família do Norte é uma facção predominante no Amazonas e no Pará e, mesmo sendo um grupo regional, é muito importante na economia ilícita da droga porque tem o controle estratégico das fronteiras com a Colômbia e o Peru", explica Dias. "Essa característica a coloca em pé de igualdade na região com facções nacionais como o PCC e o Comando Vermelho (CV)."

Segundo a professora, PCC e CV, facções antes aliadas no mercado do crime, declararam guerra uma a outra em julho de 2016, o que agravou as disputas nos presídios brasileiros onde estão presentes.

"A partir da ruptura entre PCC e CV, houve uma reconfiguração do xadrez prisional do Brasil. Nos Estados dominados pelo PCC, os presos aliados ao CV estão no seguro, a área do presídio em que os presos ficam isolados, sem contato com o restante da população carcerária. E, nos Estados com hegemonia dos demais grupos, é o PCC que está no seguro", explica Dias.

"Mas este seguro, embora seja separado do restante do presídio, é precário. Numa rebelião, é fácil acessá-lo."

De acordo com Guaracy Mingardi, analista criminal que visitou presídios de todo o país numa pesquisa sobre sobre inteligência prisional para o Depen, a tensão no sistema do AM já era conhecida.

Além disso, relatório do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura aponta que os presos denunciavam a fragilidade das instalações do "seguro" do Anísio Jobim, afirmando que "sentem muito receio de estarem em locais de fácil acesso e, assim, serem torturados e morrer nas mãos da massa carcerária".

Para Dias, "os governos têm responsabilidade, mas casos como este não são vistos com preocupação por grande parcela da população. Não dá voto ter política penitenciária ligada a direitos humanos".