Acidentes

Novos empregos pagam em média 21% menos e sem carteira assinada

Vagas estão inseridas dentro do mercado informal, sem carteira de trabalho assinada

Por Folha de São Paulo com Folha de São Paulo 23/01/2017 05h05
Novos empregos pagam em média 21% menos e sem carteira assinada
Mercado informal não oferece proteção ao trabalhador - Foto: Arquivo/Folhapress

Para conseguir um emprego hoje no Brasil, em geral é preciso ter menos de 24 anos de idade, aceitar ganhar menos e se conformar com um regime de trabalho frágil, sem a proteção oferecida por vagas que têm carteira assinada.

Análise feita pela Folha em estatísticas do Ministério do Trabalho mostra que os contratados com carteira assinada estão recebendo, em média, 21% menos do que os demitidos da mesma ocupação.

Essa desvantagem também foi observada em anos anteriores, mas a diferença atual é o dobro da verificada nos anos dourados do mercado de trabalho no início da década, quando a taxa de desemprego despencou e a economia brasileira gerava milhões de empregos por ano.

As novas vagas, segundo as estatísticas do IBGE, estão predominantemente no mercado informal, sem carteira de trabalho assinada. No mercado formal, conforme os registros do Ministério do Trabalho, as contratações só superam as demissões entre trabalhadores com até 24 anos.

A retração da atividade, que abateu a economia em meados de 2014, começou a pesar no mercado de trabalho em 2015, quando 1,5 milhão de vagas com carteira assinada foram destruídas. O prolongamento da recessão, no ano passado, abateu mais 1,3 milhão de empregos.

Isso afetou a remuneração oferecida aos que conseguem trabalho. "Quando o mercado está bombando, aumenta a disputa pelos melhores trabalhadores, e as pessoas saem de seus empregos para ganhar mais. Hoje, se uma pessoa é demitida ganhando R$ 1.000, fica feliz da vida em conseguir uma vaga por R$ 800", afirma Hélio Zylberztajn, professor da USP e coordenador do Salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisa Econômica).

Em 2013, antes de o país mergulhar na atual recessão, quase metade das 2.465 ocupações monitoradas pelo Ministério do Trabalho geraram postos de trabalho. No ano passado, foi verificada criação de vagas em um quinto das 2.497 ocupações analisadas.

SOBRANDO GENTE

Mas o achatamento salarial atingiu até as que geraram empregos. Entre as 30 ocupações que mais criaram vagas em 2016, quem foi contratado recebeu em média 4,5% menos do que os trabalhadores demitidos. Para operadores de telemarketing, por exemplo, a diferença chegou a 12%.

"Estamos vivendo o oposto do que aconteceu lá atrás, quando as empresas tinham que contratar até pessoas que não tinham qualificação adequada. Agora está sobrando gente", afirma Zylberztajn.

O cenário revelado pelos números foi encontrado pela analista de recursos humanos Ceciliana Gomes de Andrade, 29, na sua busca por trabalho. Mesmo com formação superior, ela não conseguiu mais do que bicos de garçonete desde que ficou desempregada, há oito meses.

"O piso de um assistente de recursos humanos é R$ 1.200, mas estou fazendo entrevistas para operadora de telemarketing, que paga de R$ 880 a R$ 917", diz. "Nem isso estou conseguindo".

Andrade conta que, à medida que as vagas se escassearam, os empregadores aumentaram as exigências. "Querem contratar o melhor dos melhores candidatos pagando menos", explica. "No meu caso, exigem experiência, e não trabalho com telemarketing desde 2009, quando entrei na faculdade e consegui um emprego melhor."

O marido dela também perdeu o emprego que tinha registrado na carteira. Trabalhava como chapeiro numa padaria e agora faz bico para um restaurante popular, tentando atrair clientes nas ruas.

RECUPERAÇÃO DO EMPREGO FORMAL DEVE SER LENTA

O ano de 2016 foi pior que 2015 para o mercado de trabalho. Embora a destruição de empregos formais tenha sido menos intensa, quem foi atrás de uma vaga encontrou um mercado de pior qualidade.

Estudo com dados reunidos até setembro pelos pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) José Ronaldo de Castro Souza Jr. e Sandro Carvalho mostra que o caminho de reinserção encontrado pela maior parte dos desempregados ocorreu pela informalidade.

Até o fim de 2014, a maioria dos desempregados que conseguiam ocupação encontrava um trabalho com carteira assinada. Em 2015, a balança se inverteu e, em 2016, a informalidade ganhou prevalência na transição.

Dados do IBGE mostram que o emprego sem registro em carteira teve trajetória ascendente de fevereiro a novembro, ao passo que a ocupação total (incluindo formais, domésticos e por conta própria) recuou. Mesmo em ascensão, porém, o trabalho informal paga hoje 3,3% menos do que há um ano.

Os economistas afirmam que o ajuste para baixo nos salários foi mais intenso em 2015 e estancou em 2016. E isso pode ser um dos motivos para a escalada da taxa de desemprego nos últimos meses.

"Imaginávamos uma desaceleração maior nos rendimentos, que acabou não acontecendo", diz a analista do Bradesco Ariana Zerbinatti.

A expectativa se baseava na constatação de que a atividade encolheu adicionalmente em 2016, após a retração de 2015. Mas o rendimento do trabalho parou de cair na segunda metade do ano.

"O dado positivo [o estancamento da queda] teve como subproduto negativo o desemprego. O empregador fica sem alternativa além da demissão", afirma o economista Bruno Ottoni, da FGV.

GENTE NOVA

Formada em serviço social, Dayana Costa, 35, trabalha há dois meses como garçonete, sem carteira, e diz que as ofertas que aparecem pagam pouco e exigem jornadas longas, de até 10 horas por dia: "Eles querem gente nova, com 17, 18 anos, que topa receber salário mais baixo. No meu último trabalho, a mais velha era eu".

Em 2016, o mercado gerou mais empregos para essa faixa etária, mas as vagas são insuficientes, diz Hélio Zylberztajn, da USP. A taxa de desemprego dos jovens é mais alta (28%) do que para quem tem de 25 a 59 anos (9,5%).

Zerbinatti e Ottoni preveem que o emprego se recuperará no segundo semestre. Para Ottoni, porém, os empregos voltarão primeiro na forma de vagas temporárias e informais, e só depois com registro em carteira. "O custo de se contratar um trabalhador formal é alto", diz. "As empresas vão esperar até ter certeza da melhora antes de voltar a contratar assim."