Educação

Após mais de um ano de pandemia, aulas online causam impacto na educação das crianças

Mais de 5 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem aulas presenciais no Brasil

Por João Arthur Sampaio 22/05/2021 08h08
Após mais de um ano de pandemia, aulas online causam impacto na educação das crianças
Após mais de um ano de pandemia, aulas online causam impacto na educação das crianças - Foto: Cortesia

Um ano e dois meses de pandemia. Neste período, 5,1 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem aulas presenciais no Brasil, tendo acesso apenas à modalidade online e, ainda assim, os alunos mais pobres e vulneráveis não conseguiram ter acesso ao ensino remoto.

Os dados são de uma pesquisa da Unicef e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), divulgada em abril deste ano. O estudo compilou dados da educação até novembro de 2020, com o foco em crianças e adolescentes de 6 a 17 anos.

Em Maceió, as escolas das redes públicas estadual e municipal ainda estão com aulas online, enquanto que as particulares já estão funcionando de maneira híbrida, fazendo o revezamento entre virtual e presencial.

Ainda não foram divulgados dados específicos sobre a educação básica em Alagoas, mas o portal 7Segundos entrevistou um especialista e pais, para obter uma análise preliminar sobre o assunto.

A psicóloga especialista em psicopedagogia e neuropsicologia, Patrícia Dantas, explicou que a falta das aulas presenciais pode afetar o desenvolvimento de crianças de até sete anos e, entre 10 e 12 anos, pode gerar distúrbios de ansiedade.

“Na primeira infância, a parte mais afetada é a fala e a psicomotricidade, é a melhor época para desenvolver a linguagem. Após os sete anos, o desenvolvimento é contínuo e é o momento de aprender a ler e escrever. Nesta época, a criança começa a perceber a importância das relações sociais, percebendo as emoções. Como estão em casa, a tendência é passar mais tempo em frente às telas, algo que pode criar um déficit de atenção e prejudicar o desenvolvimento social”, detalhou.

Patrícia contou que, dos 10 aos 12, já existe uma noção da importância de estudar, então, com as aulas à distância, o aluno tende a pensar que não está estudando da forma correta ou a quantidade que deveria. “Muitos se cobram por isso. É algo que pode levar a transtornos de ansiedade”.

“Os pré-adolescentes e adolescentes estão com essa percepção de não conseguirem dar conta de aprender. Também ficam sem o contato pessoal com os amigos. Isso é algo que, quando mais jovens, faz com que as crianças fiquem mais isoladas e tenham dificuldades de fazer novas amizades. Tem algumas que já estão vendo outras pessoas como vírus, por conta do medo de contaminação”.

A psicóloga afirma que quanto mais jovem, maior é o impacto causado pelas consequências da pandemia. Ela conta que muitas estão desenvolvendo Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), principalmente em relação à limpeza.

Reforço entra como alternativa

Patrícia explicou que o apoio dos pais precisa estar presentes neste momento e ajudar a criança a se desenvolver, tanto com atividades escolares, quanto lúdicas.

Como foi o caso do pequeno Levi, de 4 anos. Quando começou a pandemia, ele ainda estava na creche e, como não tinha referência de uma sala de aula, na hora de se adaptar ao virtual, teve problemas. “O acompanhamento dos pais é importante, mas é diferente do professor. Depois de mais de um ano de pandemia, colocamos ele num reforço presencial, para que não atrasasse o aprendizado”, relatou Jefte Lima, pai da criança.

Jefte disse que, no reforço, são seguidos todos os protocolos de segurança e que as aulas são por hora marcada, tudo isso feio por uma pedagoga do ensino infantil que, durante este período, resolveu prestar o serviço para ajudar as crianças do interior de Alagoas.

Levi, de 4 anos, com a mãe fazendo o dever de casa. Foto: cortesia.

“Aulas online são inviáveis. Levi não se concentra de jeito algum. Estava muito agitado, com a rotina curta. Depois do reforço, ele desenvolveu uma tolerância maior e está conseguindo fazer as atividades do reforço e da escola com mais facilidade. Além disso, nós também brincamos bastante, fazemos atividades de pintura com ele, algo que gosta muito”.

Levi já está na fase de aprender a escrever letras e números, mas ainda não está na fase de alfabetização. Jefte acredita que o filho estaria mais adiantado, se não fosse a crise de saúde mundial. “Se os pais não sentarem com os filhos para fazerem atividades mais funcionais, mais práticas, o retorno à escola vai ser complicado. Levi não vai ser pego de surpresa”.

Com uma professora em casa é mais “fácil”

Neste momento, quando se é pai ou mãe e professor ao mesmo tempo, é necessário ter uma estratégia para conseguir conciliar dar aulas online e fazer com que seu filho consiga assistir e prestar atenção aos encontros virtuais com a turma.

Elisabeth Santos é a protagonista de um desses casos. Ela é professora da rede municipal e a filha, Larissa, de 6 anos, estuda na particular, atualmente, está no primeiro ano do ensino fundamental. “É bem complicado, mas vou conciliando, dando suporte a ela e aos meus outros alunos, que às vezes aguardam um pouco”.

“Ela reclama bastante e tem dificuldade de manter horário, justamente por conta dos atrativos de casa, como a TV, lanches, querer brincar do lado de fora, etc. Sempre querendo fugir da aula”, relatou.

Larissa, de 6 anos, fazendo atividades escolares em casa. Foto: cortesia.

Elisabeth contou que utiliza a psicologia do reforço positivo, na qual consiste em recompensar a criança para realizar certa atividade, como motivação para que a tarefa seja concluída. “Nós fazemos esses combinados. Hoje, ela tem aula online quatro vezes na semana e gravada apenas uma vez”.

A escola que Larissa estuda já está com alguns dias presenciais, mas, para não deixar de ver a avó, que integra o grupo de risco da Covid-19 e só tomou a primeira dose da vacina, ela não quis voltar ao presencial ainda. “Meu medo é só em relação à socialização, com alguns alunos ‘segregando’ os que entram depois”.

“Hoje ela entende a necessidade das medidas de segurança, mas no começo foi complicado. Acredito que, quando retornar ao presencial, ela vai conseguir seguir as recomendações”, afirmou.

A mãe relatou que a criança não tem encontrado dificuldades para aprender, uma vez que consegue dar todo o suporte necessário, seja com a formação como educadora, seja por meio da tecnologia. “Larissa conseguiu aprender a ler e escrever no ano passado. É uma das que consegue na turma dela. Também uso alguns aplicativos e jogos para complementar a educação”.

Como diminuir os impactos nas crianças?

A psicóloga Patrícia disse que é importante para o desenvolvimento da criança a realização de atividades psicomotoras, que trabalhem a coordenação, equilíbrio, memória, percepção visual, dentre outros. “Com o auxílio de um adulto, você pode ensinar a criança a andar na linha, pular de uma cadeira para outra, fazer trabalhos de reciclagem e pintura, etc. Quanto mais acessível for o recurso, melhor”.

Patrícia conta que é bom que as crianças entendam que conseguem fazer as coisas. Também citou a ajuda na cozinha como um dos fatores em potencial dentro do ambiente doméstico, que podem ajudar a superar o isolamento. “Provar os alimentos, sentir as texturas das frutas ou, até mesmo, dependendo da idade, fazer alguma comida. Além disso, as brincadeiras em casa e as videochamadas em família são essenciais”.

Ela também aconselha aos professores que utilizem recursos que fazem parte da realidade das crianças, para conseguirem prender mais a atenção delas.

Outros problemas

A psicóloga também faz o alerta que a diversão não estimula a parte cognitiva do cérebro. Segundo ela, o tempo passado em frente às telas força a visão, fazendo com que muitas crianças precisem de um oftalmologista logo cedo. Além disso, tem a administração do sono, uma vez que as telas foram projetadas para nos manter acordados, algo que acaba gerando prejuízo na hora de dormir.

“O fato de a criança dormir mais tarde interfere no crescimento físico e na qualidade de vida dela, porque essas funções que precisam ser organizadas e restauradas durante o sono não estão sendo feitas da maneira correta”, detalhou.

Ainda assim, com todos esses contrapontos, ela se posiciona contra a volta às aulas antes da imunização. “Se não for dessa forma, não vejo vantagem. Com a vacina e mantendo os cuidados, aí vejo possível o retorno. Mas existem duas realidades: a pública e a particular. É preciso preservar a vida em todos os casos, sem aglomerações dentro das salas”.