Beneficiários do BPC têm pagamentos suspensos sem aviso claro e enfrentam risco de perder única fonte de renda

Falta de comunicação, falhas no sistema e exigências questionáveis colocam famílias em situação de vulnerabilidade em Alagoas e no restante do país

Por Wanessa Santos |

Pessoas atendidas pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), estão sendo surpreendidas com a suspensão dos pagamentos sem aviso claro ou acessível. O Governo Federal, por meio do INSS, iniciou um processo de reavaliação dos cadastros e perícias médicas de beneficiários em todo o país, mas muitos deles alegam que a convocação tem ocorrido exclusivamente por meio do aplicativo Meu INSS – plataforma que, inclusive, vem apresentando falhas e instabilidade nos últimos dias.

A falta de comunicação eficaz sobre a necessidade de atualização cadastral e reavaliação da deficiência está prejudicando especialmente pessoas em situação de vulnerabilidade social, que, muitas vezes, não possuem acesso frequente ao aplicativo ou sequer têm conhecimento sobre o procedimento. O resultado é a suspensão inesperada do benefício que, para muitos, é a única fonte de sustento.

Mãe de criança autista descobriu que precisava passar por reavaliação médica e social apenas ao abrir o aplicativo Meu INSS

Relatos de famílias que foram surpreendidas

O advogado previdenciário Erick Cordeiro relatou o caso de um de seus clientes, que vive situação de desespero após o bloqueio do benefício. “Imagine, a pessoa não contava com isso. Armário vazio, contas chegando e o pagamento bloqueado. A mãe, que é a beneficiária, tem diabetes e está com os dedos lesionados, não consegue sequer comparecer presencialmente. E a filha, que poderia resolver, não tem procuração pública. Essa é apenas uma das situações que tenho atendido”, explicou.

Segundo o advogado, em casos simples, ele costuma orientar os beneficiários a tentar resolver diretamente com o INSS ou pela Central 135 para evitar custos com honorários. Porém, diante da burocracia e da falta de alternativas, alguns acabam sendo obrigados a contratar um advogado, o que gera ainda mais despesas para famílias que já vivem com limitações financeiras.

Erick Cordeiro, advogado especialista em Direito Previdenciário (OAB/AL 13.414)

Exigência de revisão para crianças autistas

  • Entre os casos mais delicados está o de uma mãe de uma criança autista, que descobriu que precisava passar por reavaliação médica e social apenas ao abrir o aplicativo Meu INSS. Ela relatou que não recebeu carta, e-mail ou SMS. Segundo a mãe, só foi alertada por outras mães que também enfrentam a mesma situação. Ela agora tenta, com urgência, agendar os atendimentos exigidos para evitar a suspensão do benefício.

  • “A condição do autismo é permanente. A exigência de reavaliação, nesse caso, é no mínimo incoerente. Essas revisões geram medo e insegurança para nós, que já enfrentamos tantas dificuldades”, relatou.

    A mãe revelou ainda que dezenas de outras famílias de crianças autistas em Alagoas estão tendo os pagamentos do BPC suspensos da mesma forma: sem aviso formal e sendo comunicadas apenas pelo aplicativo. "É desesperador. Algumas só ficam sabendo quando o dinheiro não cai na conta", disse.

Falhas no sistema dificultam acesso à informação

Além da ausência de notificações eficientes, beneficiários relatam dificuldade para acessar informações no aplicativo Meu INSS, que tem apresentado erros ao tentar acessar informações sobre os benefícios. Ao tentar consultar pendências ou atualizações cadastrais, o sistema retorna mensagens de erro como “Ocorreu um erro durante a pesquisa. Tente novamente mais tarde”.

Beneficiários relatam dificuldade para acessar informações no aplicativo Meu INSS

O INSS de Alagoas informou que essas falhas podem ocorrer por inconsistência no sistema, especialmente devido ao alto volume de acessos. O órgão destacou que a ação é nacional e parte diretamente da coordenação do INSS em Brasília.

Questionado sobre a divulgação das reavaliações, o INSS de Alagoas reconheceu que a comunicação foi limitada. “Começou no ano passado. Foram duas frentes: uma por falta de cadastro no CadÚnico e outra para revisão médica e social. Mas a divulgação foi pontual”, informou.

Beneficiários podem perder o benefício sem saber

O problema central apontado pelos relatos é que muitos beneficiários não têm costume de acessar o aplicativo, especialmente os mais humildes, e não receberam qualquer carta ou outro tipo de aviso direto. Nem todos contam com a assistência de advogados para acompanhar o processo. A maioria dessas pessoas vive em situação de vulnerabilidade e muitas vezes não sabe como lidar com os procedimentos digitais ou acessar as informações disponíveis no sistema.

Segundo o INSS de Alagoas, para quem tem senha no aplicativo, a convocação pode aparecer exclusivamente na plataforma, e os demais beneficiários deveriam ser comunicados por outros meios, como carta, e-mail ou SMS. Mas, na prática, vários relatos apontam que a única notificação recebida foi dentro do Meu INSS.

O que dizem as normas oficiais

O processo de reavaliação dos benefícios do BPC foi anunciado oficialmente pelo INSS em cartilha publicada em outubro de 2024, quando o órgão informou que o cruzamento de dados seria intensificado e que seriam realizadas revisões médicas e sociais para verificação das condições que garantem o direito ao benefício. Além disso, uma portaria conjunta do Ministério do Desenvolvimento Social e do INSS, publicada em julho de 2024, estabeleceu a obrigatoriedade de atualização cadastral no CadÚnico a cada 48 meses.

Segundo as normas, os beneficiários deveriam ser notificados por diferentes canais, incluindo o aplicativo Meu INSS, carta com aviso de recebimento, SMS, e-mail e mensagens no extrato bancário. No entanto, os relatos apontam falhas significativas nesse processo de comunicação.

O INSS também divulgou que, caso o beneficiário perca o prazo para atualização, o pagamento pode ser suspenso, mas há possibilidade de reativação e recebimento dos valores retroativos após regularização.

Falta de assistência agrava cenário


Para famílias que já enfrentam dificuldades financeiras, como as atendidas pelo BPC, a burocracia e a comunicação falha impõem barreiras adicionais. A exigência de que o beneficiário acompanhe regularmente o aplicativo, mesmo sem ter recebido outros tipos de aviso, acaba penalizando justamente aqueles que mais precisam de assistência do Estado.

A situação é ainda mais preocupante para pessoas com deficiência que dependem do benefício para despesas básicas e que, como no caso das crianças autistas, são submetidas a reavaliações questionáveis de condições permanentes.

O que o beneficiário pode fazer:


Os beneficiários devem acessar regularmente o aplicativo Meu INSS para verificar possíveis pendências. Caso o sistema esteja indisponível, é recomendado tentar contato com a Central 135 ou comparecer diretamente ao CRAS mais próximo. Mesmo sem ter recebido carta ou SMS, é importante atualizar o Cadastro Único no CRAS para evitar bloqueios no benefício.

Também é necessário verificar com frequência as mensagens no extrato bancário e no site do Meu INSS. Em caso de dificuldades para resolver a situação, a orientação é buscar apoio jurídico especializado ou procurar a defensoria pública. No entanto, é importante destacar que, apesar de ser uma alternativa gratuita, o atendimento pela defensoria pode ser demorado devido à quantidade limitada de defensores disponíveis. Para quem depende do benefício como única fonte de renda, a espera prolongada não é viável, já que a urgência na resolução é fundamental para garantir a sobrevivência e a manutenção das despesas básicas.