
Nos últimos meses, tem crescido em Alagoas uma nova modalidade de golpe que utiliza dados de processos judiciais para enganar partes envolvidas e aplicar fraudes financeiras. Criminosos, com acesso a informações muitas vezes disponíveis em sistemas públicos do Judiciário, têm se passado por advogados, servidores ou representantes da Justiça para induzir as vítimas a realizar pagamentos falsos ou fornecer dados sensíveis, como informações bancárias.

O 7Segundos conversou com o advogado e procurador da Câmara Municipal de União dos Palmares, Lucas Wesley, que explicou os métodos usados, os impactos desse crime e as medidas que podem ser adotadas para evitar novas ocorrências.
Recentemente, o Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da Faculdade Cesmac do Agreste também foi vítima dessa ação criminosa e emitiu uma nota oficial para alertar a população, destacando que o golpe envolve o uso indevido de dados processuais de clientes para enviar mensagens falsas, em nome de advogados, solicitando pagamentos e dados bancários. A instituição reforça que seus atendimentos são gratuitos e que jamais solicita valores financeiros por mensagens.
Golpe estruturado com base em dados judiciais
Segundo o advogado Lucas Wesley, os criminosos tem acessado dados como números de processos, nomes das partes, advogados envolvidos, valores relacionados e até decisões judiciais recentes. Com essas informações, criam uma narrativa convincente para se apresentar como autoridades jurídicas e pedir dados pessoais ou pagamentos.
“Eles se passam por advogados ou servidores do Judiciário, enviando mensagens e até fazendo ligações para dizer que houve uma sentença favorável e que é preciso fazer depósitos para liberação de valores, custas processuais ou honorários, que na verdade são falsos,” explica Lucas.
O foco principal desses golpes são processos cíveis e trabalhistas que envolvem valores financeiros, como indenizações, acordos ou inventários. “As vítimas geralmente já estão com expectativa de receber algum valor, o que facilita a manipulação,” destaca o advogado.
Lucas ressalta que embora muitas dessas informações estejam em plataformas públicas do Judiciário essenciais para a transparência , a facilidade de acesso acaba sendo explorada por criminosos, criando um dilema entre transparência e segurança. “Essas plataformas precisam ter mecanismos para evitar que dados sensíveis sejam usados para fraudes.”
Relato de uma vítima de Arapiraca
Uma experiência recente envolvendo o Núcleo de Práticas Jurídicas do Cesmac ilustra bem como o golpe é sofisticado e causa insegurança até mesmo para quem tem algum conhecimento jurídico. Uma estudante de Direito que estagia no NPJ contou sua experiência ao 7Segundos:
“Eu tenho uma ação contra a Multimarca que está em fase de sentença. Uma pessoa entrou em contato comigo se passando pela minha advogada, doutora Paula, com foto e número local de Alagoas. Ela disse que a sentença tinha saído favorável e que eu receberia cerca de 26 mil reais, pedindo dados da minha conta, como extrato do último mês. Como confiei, enviei as informações,” relata.
“Depois, disseram que outra pessoa, um tal doutor Lucas, entraria em contato, dizendo ser do Tribunal de Justiça, e que precisaria fazer uma audiência de pagamento por videochamada. Aceitei a chamada, mas durante a conversa percebi que ele estava acessando a minha tela, pedindo para clicar em certas áreas. Quando me toquei, desliguei a câmera e a ligação caiu,” ela conta.
“Liguei para o escritório e confirmaram que era golpe. Outros clientes do escritório passaram pela mesma situação. Suspeita-se que alguém da quadrilha tenha acesso aos processos que não são públicos. Eu, que estagio no NPJ da CESMAC, também vi que outros clientes foram vítimas. Nosso escritório alertou que não há cobranças financeiras e que tudo é gratuito,” explica.
“Algumas pessoas caíram no golpe porque os criminosos enviam até petições extraídas do próprio Judiciário para dar veracidade. Quem não conhece o procedimento pode facilmente acreditar e fazer depósitos ou transferências,” alerta.
O Núcleo de Práticas Jurídicas do Cesmac emitiu uma nota para esclarecer o público sobre o golpe e reforçar a segurança dos seus serviço, ela alerta que golpistas têm usado dados do NPJ para enviar mensagens falsas em nome da advogada Claudia Lany, pedindo depósitos ou comparecimento a bancos. "Reforçamos que o NPJ não realiza cobranças e não solicita pagamentos. Que em casos de dúvida, contate o NPJ pelo número 99993-1149", traz o comunicado.
Prejuízos e responsabilidades
Lucas Wesley compartilha um caso grave que acompanha na área jurídica, no qual a vítima perdeu praticamente todo o seu saldo bancário após fornecer informações a um golpista: “A cliente havia acabado de receber seu salário para despesas essenciais. O criminoso, fingindo ser representante da Justiça, solicitou uma conta ‘segura’ para transferir os valores da sentença. Com isso, ele acessou e esvaziou a conta da vítima.”
O advogado destaca que o prejuízo vai além do financeiro. “Além do dano material, a vítima sofre um forte abalo emocional, se sentindo desprotegida e insegura”, e por isso, em casos extremos, recomenda-se também buscar auxílio psicológico para lidar com os impactos emocionais.
Na ação judicial, ele optou por responsabilizar os bancos envolvidos: “Um banco permitiu que a conta usada pela quadrilha continuasse ativa, sem detectar as movimentações suspeitas. O outro banco, onde a cliente possui conta, não acionou os mecanismos de segurança diante das operações atípicas. Isso configura falha na prestação do serviço, com base no entendimento do Superior Tribunal de Justiça.”
Essa ação busca reparar o prejuízo e cobrar das instituições financeiras um compromisso maior com a segurança dos clientes, para evitar que novos golpes aconteçam.
Medidas e recomendações para prevenção
Lucas reforça a importância do trabalho conjunto entre escritórios de advocacia, órgãos do Judiciário e instituições financeiras para proteger os cidadãos. “É fundamental que os advogados orientem seus clientes a desconfiar de contatos não oficiais e confirmem sempre com o profissional responsável. O Judiciário deve aprimorar seus sistemas de autenticação e comunicação oficial, promovendo campanhas educativas para alertar a população.”
Para os cidadãos, ele orienta: “Nunca faça pagamentos ou forneça dados pessoais sem antes confirmar a autenticidade do contato. Procure seu advogado diretamente ou use canais oficiais do tribunal, fique atento a qualquer pressão para transferências rápidas ou ameaças quanto ao andamento do processo.”
É importante ainda que a população utilize os canais oficiais para checar informações, como os sites dos tribunais e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que disponibilizam dados dos advogados e processos.
Combate
As autoridades policiais em Alagoas, tanto civil quanto federal, estão atentas e atuando para combater esse tipo de crime, que vem crescendo em todo o país. “Há investigações em andamento, com prisões e desarticulação de quadrilhas,” afirma Lucas.
A Ordem dos Advogados do Brasil e o Judiciário têm promovido campanhas e orientações para advogados e servidores, incentivando o uso de meios oficiais de comunicação e alertando sobre as fraudes.
“Minha recomendação é que a população mantenha sempre a cautela e nunca forneça dados ou faça pagamentos sem confirmar a autenticidade da comunicação. Ao suspeitar de golpe, faça um boletim de ocorrência e comunique a OAB ou o Judiciário. Informação, prevenção e denúncia são as melhores armas contra esses crimes,” conclui Lucas Wesley.