PEC da Blindagem reforça imaginário de políticos corruptos e é apontada como retrocesso

Especialistas ouvidos pelo 7Segundos veem com preocupação a aprovação do texto pela Câmara dos Deputados

Por Felipe Ferreira |

A repercussão negativa da aprovação da PEC da Blindagem, que prevê um aumento na proteção judicial de deputados federais e senadores, resultou em manifestações e levou parlamentares a pedirem desculpas ao eleitorado. Mas, para além da discussão constitucional, especialistas ouvidos pelo 7Segundos apontam que a mudança deve reforçar o imaginário de que todo político no Brasil é corrupto.

O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi aprovado pela Câmara dos Deputados na última terça-feira (16) e segue para avaliação do Senado Federal.

Para especialistas, a medida é um retrocesso e impacta negativamente as instituições brasileiras. A cientista política Luciana Santana afirma que mudanças na Constituição, quando ocorrem em momentos de crise, prejudicam o processo legislativo.

“O momento está sendo contaminado por vários eventos políticos que acirram os ânimos dos parlamentares, como se tudo que estivesse acontecendo na arena externa ao legislativo fosse em algum momento impactar esses membros que estão ali, nesse momento. Isso é muito prejudicial para o processo legislativo. Fazer qualquer mudança de regras em contextos de crises e de intenso estresse político pode ser muito perverso”, disse.

Luciana Santana, cientista política (foto: acervo pessoal)


Todo político é bandido?

A percepção que os brasileiros têm de que a classe política não os representa e que todos no Congresso Nacional são corruptos acaba sendo fortalecida com a proposta aprovada pela Câmara.

Para a socióloga Danúbia Barbosa, o imaginário popular acerca dos políticos de que a classe só se une em prol de seus interesses é fortalecido com esta PEC.

“A aprovação de uma PEC com esse teor tende a intensificar a percepção de que os políticos estão legislando em causa própria, buscando impunidade e proteção corporativa, ao invés de atender aos interesses da população. A PEC passa para a sociedade a ideia de que políticos estão acima da lei, criando barreiras para investigações ou punições, o que contradiz o princípio republicano da igualdade perante a lei”, apontou Barbosa.

Danúbia Barbosa, socióloga (foto: acervo pessoal)

Luciana Santana lembra que o estereótipo não condiz com a realidade, já que há pessoas éticas e não éticas em qualquer área da sociedade.

“São percepções que eu acho que não podem ser dadas como concretas. Na política a gente tem, assim como na sociedade, pessoas éticas, como temos pessoas não éticas. A política é da mesma forma, a gente tem pessoas que vão subverter a ordem e aqueles que vão respeitar e obedecer à norma ao Estado democrático. Então a gente tem essas situações. Agora, uma PEC como essa, claro, pode potencializar o distanciamento da sociedade com a política”, disse.

Processos em andamento não devem ser afetados



  • O advogado criminalista, Álvaro Costa, avalia que a PEC da Blindagem não deve livrar parlamentares de processos criminais que estão em tramitação na Justiça.

    “Há quem sustente que a PEC irá blindar deputados e senadores com processos criminais em andamento. Não acredito nesta hipótese. Qualquer alteração legislativa ou mesmo constitucional tem efeito “ex nunc” – da sua alteração ou publicação para frente”, avalia.


  • O criminalista explica, ainda, que a inclusão de presidentes de partidos políticos na PEC pode dificultar o combate à corrupção.

    “Processos contra presidentes de partidos migrariam diretamente para o Supremo Tribunal Federal. Ademais, as investigações locais se tornariam cada vez mais dificultosas inclusive no que diz respeito a coleta de provas e medidas tomadas em fase de investigação criminal, tais como bloqueio de bens e valores. Isso sem falar na morosidade para julgar pessoas com prerrogativas de foro ante a sobrecarga de processos no STF, implicando numa menor taxa de condenação”, disse.

Álvaro Costa, advogado criminalista (foto: reprodução)

Risco de corporativismo

O texto aprovado pela Câmara prevê que os próprios parlamentares definirão se seus colegas deverão ser investigados. O trecho levanta questionamentos quanto ao julgamento efetivo de possíveis crimes e a moralidade da ação.

A socióloga Danúbia Barbosa vê com naturalidade a desconfiança do eleitorado dado o histórico do Congresso Nacional.

“É natural que a sociedade desconfie quando parlamentares julgam seus próprios colegas. O risco de corporativismo é real e já vimos isso acontecer no passado. Ao mesmo tempo, precisamos preservar a independência do Legislativo diante de possíveis abusos externos. O problema da chamada PEC da Blindagem é que, em vez de equilibrar, ela amplia a sensação de autoproteção e distancia ainda mais o Parlamento da confiança popular. O Brasil precisa de transparência e responsabilidade, não de mecanismos que reforcem privilégios”, afirmou.

A PEC da blindagem ainda será avaliada pelo Senado Federal, mas já conta com um grupo forte que atua contra a matéria. Dentre os senadores que trabalham para derrubá-la, está o alagoano Renan Calheiros (MDB).

O senador criticou a aprovação
do texto pela Câmara dos Deputados e puniu, em âmbito local, deputados emedebistas que votaram favoravelmente à PEC.

Além de Renan Calheiros, seu filho, o ex-governador de Alagoas e ministro dos Transportes Renan Filho (MDB), também se colocou à disposição para trabalhar contra a aprovação do texto no Senado.

A PEC da Blindagem contou com a participação efetiva do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP)
, que condicionou o apoio a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro à aprovação da PEC de interesse, sobretudo, de líderes do centrão.

Mobilização nacional

Neste domingo (21), várias capitais do Brasil terão atos contra a PEC da Blindagem e o Projeto de Lei que concede anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro. A mobilização deve contar com a participação de lideranças políticas e de artistas.

Em Maceió, a manifestação está prevista para começar às 9 horas na Praça Sete Coqueiros, na Pajuçara.